Várias datas para comemorar!



Terça-feira, 12 de dezembro de 2017.

Que bom, maravilhoso viver por mais um dia, por mais um ano! Ontem fiz 46 anos e comecei a refletir como já passei por vários apuros, um vai e não vai, quedas e superação... oxente! Aos 10 anos tive por semanas no UTI com parada cardíacas, consequência de uma crise forte de difteria. Pense num susto! Fiquei tão fraca, sem andar, problemas na vista, etc... enfim por graça de Deus, tive uma boa recuperação que me fez seguir adiante fazendo muito mais que o esperado por uma pessoa de minha idade, ou seja, brincava de pega-pega em cima de goiabeiras e cajueiros, pulava cerca de arame, corria atrás de macaquinhos no mato, pulei pontes, atravessei rios e nadava no alto mar, jogava futebol e bila com os meninos, soltava pipa, fazia corrida de bicicleta... Depois aos vinte e poucos anos, ganhei uma moto de meu pai após entrar na faculdade, aí passei por mais outros sustos me aventurando no asfalto, viajava bastante e fazendo ultrapassagens perigosa... e no ano de 2000 decidi trocar minha moto pelo carro, quando levei um susto bem grande de uma caminhoneta que quase bate na minha traseira, e por sorte, Deus, não cair... Também no final de 2014, mesmo sem moto, mas guiando a moto de meu irmão, choquei na lateral de um carro que avançou a minha preferencial e mais uma vez sair ilesa, ou seja, sem sangue, só com algumas dores musculares, e por pouco, ou seja, por poucos segundos, não pedir minhas pernas ou coisa pior. Enfim, hoje posso dizer que tenho várias datas de renascimento para comemorar meu aniversário com anos diferente. Meu coração nasceu novamente quanto tinha 10 anos e meu corpo a cada grande susto com a moto, sem falar de outros apuros menos considerados aqui.


Então hoje só tenho muito a agradecer a Deus por minhas respiração, visão, pernas, dons que tenho e por me considerar uma boa mãe e esposa, tentando manter a casa e a feira em ordem, além de outras atividades do decorrer do dia. Não me lamento se hoje vou de bicicleta pra cima e pra baixo, pois sinto o prazer de pedalar e poder sentir e contar com minhas pernas; também não lamento quando sento o stress do dia quando tenho que fazer muito além do que o tempo me permite, pois sei que terei um outro dia para descansar ou fazer aquilo que não deu para fazer hoje.

E a vida continua, ou seja, a minha vida continua, por mais um dia, por mais um ano. Sou eu mesma a maior responsável por guiar meus pensamentos e ações para manter firme e forte a saúde do corpo, mente e espírito! Assim, cuidando de mim mesma... a minha família agradece!




Dois anos de VITÓRIA!

Domingo, 10 de setembro de 2017.

Hoje não poderia de deixar de escrever algumas linhas aqui no meu diário, pois nesta presente data, faz dois anos que partimos de Fortaleza rumo a Itália.

E como não se habituar logo a uma realidade melhor? É fácil, principalmente porque passamos por vários apertos financeiros e sociais em Fortaleza. Sentimos aqui um ar livre bem melhor que não nos preocupamos com alguns contra tempo que possa surgir. Para quem tirou rochas pelo caminho, pedras aqui são poeiras, você prende a respiração alguns segundos e vai seguindo em frente.

Mas que contra tempo são esses? Ah, algumas palavras não bem entendida em italiano quando conversamos no telefone, no supermercado ou numa repartição pública, ou até numa roda social entre amigos. Também as vezes me deparo com pessoas que nos observa com olhos bem arregalados como fossemos seres de outro planeta, só porque temos alguns aspectos físicos diferente. Mas o que vale é a minha simpatia que enche o meu ego de satisfação, e além de tudo buscar ser educada e mante-se calma, vero?

E nossas inúmeras vantagens neste dois anos? A melhor de todas é poder ir ao supermercado sem precisar contar as moedas antes de sair de casa ou avaliar se posso ou não posso levar um pão a mais ou qualquer grama de presunto ou queijo, etc. Uma vez escutei em uma piada, bem realista, que dizia que alegria de pobre é sair do supermercado com a sacola cheia, não é ir a praia, cinema, viajar, etc. E quantas vezes sou grata a Deus por tantas alegrias, chegar em casa e poder deixar tudo no seu cantinho: bolachas, suco, leite, ovos, pão, frutas e alguns guloseimas de gostinhos bem pitoresco de meus filhos, aproveitando a comodidade da industria alimentícia para acelerar algumas gramas de gordura a mais em suas barriguinhas...

Enfim, além dessa super vantagem alimentícia, posso ainda decifrar mais uma ou duas para não se estender muito aqui, nesta calma manhã de domingo chuvosa. Setembro chegou e um tempo gostoso de frio também.

Continuando a lista de minha prioridade de alegrias, sou contente em poder ver meus filhos crescer e estudar numa escola boa e a custo zero, já que em Fortaleza, estudar bem é coisa de rico! E graças a Deus que meus pais e alguns familiares sempre nos deram uma bela mão financeira na escola de meus filhos em Fortaleza. Aqui conto com a única opção de escola que é pública e de qualidade, onde estuda o filho do operário como o filho do patrão.

E mais uma outra vantagem... é a liberdade de poder sair de casa sem se preocupara com roubos, assaltos, infração no trânsito, congestionamento ou demora para chegar aonde se pretende. Aqui a vida é mais tranquila, dentro e fora de casa. Polícia aqui não trabalha, passeia, é mais comum vermos sirenes de ambulâncias ou bombeiros para acudir algum velhinho passando mal em casa, a maioria deles moram sozinhos e gostam de andar de bicicleta.

Agora só mais uma pequena relação de coisas boas que faço aqui que em Fortaleza estaria fora de cogitação:
- Vivenciar as quatro estações do ano.
- Encher a garrafa d'água na pia da cozinha.
- Separa o lixo em casa para a coleta seletiva.
- Contar com assistência social para ajuda de custo ou outros.
- Levar meus filhos para a escola de bicicleta.
- Fazer compras no supermercado quase todos os dias.
- Pagar nossas contas mensais sem recorrer a terceiros ou familiares.
- Ter atendimento de saúde de qualidade e medicamentos a custo zero.
- Ver o Patrizio dirigir, ter seu carro, cartão do banco, conversar com seus amigos, rever seus parentes e familiares, comprar alguma coisas de seu hobby, etc... e claro, ver ele saindo cedinho de casa todas as manhãs para trabalhar!

Bom domingo a todos!
Cyntia M O Candela

Ótimos amigos, aqui também tem!

Nosso belo transporte para ir a escola.

Uma amiga do peito...
Deus me apresentou! Presenteou!

Comprar... não é mais uma coisa rara...

... e também andar de carro!

Grupos de jovens do Tobias da igreja.

Música na escola, aqui é obrigatório!
E o Tobias gosta pra valer!

Custo zero na saúde! Nota dez!

Trabalho para mim, também se encontra...  

Bons momentos, belas fotos!
Rezar, passear e uma bela moto só para admirar! 
  


FAMÍLIA, se Deus precisou de uma... 
Abençoa Senhor a minha também!


“Diga ao Senhor:
Faça em mim segundo a Tua vontade,
mas antes de mandar-me o sofrimento,
dê-me forças para que
eu possa sofrer com amor.”
(São Padre Pio)



Recapitulando... 2 - Lisboa

Domingo, 13 de agosto de 2017.

Nossa viagem durou quase dois dias, nosso voô fazia escala em Portugal e passamos toda a noite do dia 10 atravessando o Oceano Atlântico rumo a Lisboa. E só na manhã do dia seguinte, dia 12 que deveríamos partir para o aeroporto de Milão, Itália. Então assim, tínhamos quase vinte e quatro horas do dia 11 para turistar na terra de Cabral.

Chegando no aeroporto de Lisboa, eu e as crianças pegamos uma fila de mais de uma hora para o desembarque, já o Patrizio com seu passa-porte europeu, nem fila pegou. Depois fomos procurar um guarda-volumes para nossas malas e ficarmos livres para conhecer um pouco da cidade de Lisboa. Nos informamos qual transporte pegar e lá vamos nós de ônibus para o centro de Lisboa. Chegando alí paramos para tomar um belo café ao ar livre, se sentindo talvez pela primeira vez em família como verdadeiros turistas. Sabíamos que estávamos próximos do Castelo de São Jorge e com uma boa caminhada de quase meia hora chegamos lá, pois era uma boa subida. No castelo, havia uma fila para entrar, não muito grande, mas que nos levou mais uns quinze minutos. Claro que tudo foi recompensado, bem de cima tinha uma bela vista de Lisboa e como tudo era novidade para nós, tudo ficava ainda mais bonito e contagiante. E fizemos várias fotos...

Voltando do Castelo, achamos um supermercado e compramos algo bem pratico para almoçarmos. Retornando ao aeroporto, todos queria tirar uma soneca, pegamos as malas e achei uma sala com sofás no andar de cima, mais reservado para nos acomodar melhor. Ali também tinha um casal e uma família com crianças pequenas que logo saíram, porém as nove horas esta sala foi fechada e tivemos que descer em busca outro lugar para passar a noite. E nos acomodamos alí mesmo nas cadeira normais com as malas e bolsas, sempre com cidade para um de nós estarmos de olhos bem abertos. A noite foi mais longa, porém também passou, e logo de manhã cedo embarcamos para Milão com mais umas três horas de voô...

Até a próxima, já na Itália...
Cyntia M O Candela


Aeroporto de Lisboa:


Café no cento de Lisboa:

Castelo São Jorge:






Recapitulando... 1 – Aeroporto

Sábado, 12 de agosto de 2017. 

Recapitulando será uma serie de publicações de meus dias na Itália que escreverei um pouco por vez, para ser mais constante.

Nossa partita no Aeroporto Pinto Martins, Fortaleza, dia 10 de setembro de 2015, no final da tarde, foi tranquila. Chegamos três horas antes do voô. Meu irmão Jadson nos levou e ali mesmo no estacionamento nos despedimos. E mais ninguém previsto da família ou amigos para se despedir e compartilhar nossa partida sem data prevista de volta. Depois de passearmos no aeroporto, ver os aviões indo e vindo, sentamos em um lugar mais afastado de todos para descansar, ainda faltava muito para nosso embarque.

Sentados ali, sem nada a fazer, avistei uma pessoa singular, era muita parecida com a Karine, filha da minha Madrinha. Estávamos sentados a uma certa distância que não tinha total certeza se era ela, principalmente porque estava sentada de costas. Fiquei sempre a observando, esperando o momento dela se levantar! E quando ela se levantou falei para o Patrizio: Amor, é ela! Será que esta aqui esperando chegar sua mãe? Será que hoje também iremos ver minha Madrinha!? Ufa! Não é possível! Meu coração parecia palpitar de alegria, sabe? Karine estava sentada perto da porta que sai os passageiros, fui saudá-la e fiquei sabendo que esperava uma outra pessoa, mas mesmo assim senti a presença da minha querida Madrinha ao me desperdi dela...

Com menos de dez minutos para entramos na sala de embarque chegaram minha irmã Mary com seu filho Everton e mais sua amiga de infância Jaqueline. E por sua vez Jaqueline é irmã da Nébia que é uma grande amiga minha que há mais de vinte anos mora Itália, e minha amizade com a Nébia já é uma outra e longa história para algum outro dia... Enfim, nos saudamos rapidamente, anciosos e satisfeitos! Minha irmã disse que eu estava mais bonita e diferente com o cabelo liso, e ainda parecendo preocupada falou: Cyntia, vai dar certo! E logo sua amiga Jaqueline a contestou em alta voz: Mary, já deu certo!
E lá vamos nós...

Até a próxima de “recapitulando”...
Cyntia M O Candela



"As adversidades podem ser
das mais formidáveis ocasiões."
(Thomas Mann)

Já dois anos na Itália! E aí?

Quinta-feria, 11 de agosto de 2017.

Em agosto de 2015 as malas já estavam fechadas, as passagens compradas para segunda semana de setembro e mesmo assim ainda me via correndo atrás de cartórios e consulados pra resolver alguns documentos pendentes.

Já se passaram dois anos que estamos morando na Itália na cidade natal de meu esposo Patrizio, Casale Monferrato. Neste período passamos por altos e baixos, adaptações, superações e ao mesmo tempo muito satisfação por respirar uma nova realidade social melhor. Problemas! Claro que aqui também tem, mas em proporção bem menos que no Brasil, que nos faz sentir que estamos tendo uma qualidade de vida bem melhor!

Como já falei algumas vezes aqui, que quando leio um livro tenho mais vontade de escrever, como se a leitura fosse o combustível de minha imaginação para acordar meu talento e gosto pela escrita.

Semana passada fui numa loja de moveis usados e comprei um livro por cinquenta centavos, no intuito de melhorar meu italiano pela leitura que estou conseguindo ler aos poucos. No início deste ano fiz minha inscrição na biblioteca da cidade, porém não consegui achar nenhum livro que me fascinasse o bastante para estar em minha companhia na cama antes de dormir. Também estava num período de estudos, fazendo dois curso de italiano e com alguns projetos em casa de trabalhos online, além da turbulência de preocupações por não ter ainda uma estabilidade economia de um trabalho fixo para mim ou meu esposo.

Enfim, por tantos motivos, deixei meu diário esfriar, congelar! Porém uma vez o Patrizio comentou que lamentava por eu não escrever mais no meu diário, e logo justifiquei: Você sabe, tantas coisas nós passamos nesse tempo aqui, já pensou se eu conseguisse escrever, principalmente nossas dificuldades, não gostaria de deixar meus leitores preocupados, pois tivemos um “belo” momento de travessia no deserto... e aí!?

Agora com muitas coisas já superadas, posso dizer que tenho um pouco mais tempo para ler, escrever, etc. E pensei em escrever aos poucos na medida do possível, os fatos mais marcantes desses dois anos na Itália! O que você acha? Escrever tais dificuldades e como consegui supera-las... Então até a próxima vez com mais detalhes desse meu tempo por aqui!

Abraços a todos!
Cyntia M O Candela




O problema deve
ser a nossa
motivação para
chegar! 

São José, rogai por nós!

Domingo, 12 de Março de 2017.

Março, mês de São José! Aqui na Itália o dia dos pais é comemorado no dia 19 deste mês, dia de São José! Nada mais justo ter São José como modelo de vida paterna para as famílias, ele que em sonhos foi obediente ao apelo de Deus, sendo paciente, acolhedor, protetor, trabalhador e amoroso. Junto a Maria, ele amou e educou Jesus. José guiado pelas revelações divinas em seus sonhos, teve que se mudar de cidades várias vezes para manter Jesus e Maria seguros. Sua presença paternal dava conforto a Maria. Os caminhos de Maria foi de sofrimento, mas sem José seria ainda mais difícil.

Hoje nos tempos modernos, é cada vez mais difícil educar os filhos buscando se espelhar na Sagrada Família. Nossos jovens filhos ficam a mercê de outros “deuses” que chamo de desejos, oferecido pelas muitas alternativas de lazer com valores contrários da nossa fé cristã. Divertir é bom e saudável, porém devemos também em família ter tempo para degustar e “buscar as coisas do alto”(Col. 3,1). Afinal, todos nossos pertences e desejos são passageiros, pois bem sabemos que um belo dia não nos pertencerá mais, e o que ficará permanente guardado em nossos corações, são nossos bons atos de amor, atenção, carinho, sorrisos que soubermos dar com alegria sem esperar receber(At. 20,35).

São José é o padroeiro da cidade onde moro, Casale Monferrato, e por duas semanas temos festejos com barracas com parques de diversão. Claro que além de aproveitar para divertir um pouco com meus filhos e ver o movimento diferente e mais colorido nestes dias, também intensifico minhas orações a São José! E que ele interceda junto ao Pai, Jesus e Maria por nossa família. Amém.



Depois de sua partida, um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar. (Mt 2,13)





SEM CONTABILIDADE - Por Rubem Alves


Quinta-feira, 26 de Janeiro de 2017.

Toda vez quando fico mais perto dos livros, cheirando, tocando, lendo, me vem nos dedos uma coceira para teclar, escrever, jogar pra fora em palavas escritas neste momento o que passa na minha mente. E se por acaso estou tanto tempo ausente, sem escrever aqui no meu diário, seja porque o meu hábito de ler ficou de lado e não sento “aquela” vontade gostosa e espontânea de escrever.

Morando em outro país, longe das bibliotecas que costumava frequentar em busca de um bom livro, me sento andando sem bengala, principalmente quando tenho um momento propicio para ler e não tenho livros. A leitura é uma dos meus impulsos para correr para o computador e escrever assim coisas do meu jeito, e com liberdade para publicar no meu DMD.

Aqui vivo uma carência de livros e não sou habituada a ler no computador! Mas hoje me deparei na Internet com um texto de Rubem Alves, meu querido Rubem Alves! Claro que seu nome me chama atenção como uma tentação singular, e mesmo o texto sendo longo, logo li com prazer para saber o que ele tem escrito de interessante. E ao final do texto, me surpreendi com alguns aspectos semelhantes a história recente de minha vida!

O texto fala-se do amor, de nossos olhos, como sentimos, como vemos, olhamos, pintamos a vida! Como cobramos e somos cobrados, de nós mesmos... E o vai e vem da vida, desapegar, desaprender para aprender a ver Deus como Ele é! Etc! Eis o texto e boa leitura:

SEM CONTABILIDADE - Deus, Créditos e Débitos - Por Rubem Alves

Para escrever esta crônica, preciso de dois fios que deixei soltos. Porque eu escrevo como os tecelões que tecem seus tapetes trançando fios de linha. Também eu tranço fios. Só que de palavras.

O primeiro fio saiu do corpo de uma aranha de nome Alberto Caeiro. (Aranha, sim. Tecemos teias de palavras como casas de morar sobre o abismo.) Disse: O essencial é saber ver (…) Mas isso (…), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender (…) Procuro despir-me do que aprendi, Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, E raspar a tinta que me pintaram os sentidos.

Volta-me à memória o meu amigo raspando a tinta das paredes da casa centenária que comprara, tantas tinham sido as demãos, cada morador a pintara de uma cor nova sobre a cor antiga. Mas ele a amou como uma nova namorada. Não queria por vestido novo sobre vestido velho. Queria vê-la nua. Foi necessário um longo striptease, raspagens sucessivas, até que ela, nua, mostrasse seu corpo original: pinho-de-riga marfim com sinuosas listras marrom.

Nós. Casas. Vão-nos pintando pela vida afora até que memória não mais existe do nosso corpo original. O rosto? Perdido. Máscara de palavras. Quem somos? Não sabemos. Para saber é preciso esquecer, desaprender.

Segunda aranha, segundo fio, Bernardo Soares: nós só vemos aquilo que somos. Ingênuos, pensamos que os olhos são puros, dignos de confiança, que eles realmente veem as coisas tais como são. Puro engano. Os olhos são pintores: pintam o mundo de fora com as cores que moram dentro deles. Olho luminoso vê mundo colorido; olho trevoso vê mundo negro.

Nem Deus escapou. Mistério tão grande que ninguém jamais viu, e até se interditou aos homens fazer sobre ele qualquer exercício de pintura, segundo mandamento – “Não farás para ti imagem” -, tendo sido proibido até, com pena de morte, que seu nome fosse pronunciado. Mas os homens desobedeceram. Desandaram a pintar o grande mistério como quem pinta casa. E, a cada nova demão de tinta, mais o mistério se parecia com a cara daqueles que o pintavam. Até que o mistério desapareceu, sumiu, foi esquecido, enterrado sob as montanhas de palavras que os homens empilharam sobre o vazio. Cada um pintou Deus do seu jeito.

Disse Angelus Silesius:

O olho através do qual Deus me vê é o mesmo através do qual eu o vejo. E assim Deus virou vingador que administra um inferno, inimigo da vida que ordena a morte, eunuco que ordena a abstinência, juiz que condena, carrasco que mata, banqueiro que executa débitos, inquisidor que acende fogueiras, guerreiro que mata os inimigos, igualzinho aos pintores que o pintaram.

E aqui estamos nós diante desse mural milenar gigantesco, onde foram pintados rostos que os religiosos dizem ser rostos de Deus. Cruz-credo. Exorcizo. Deus não pode ser assim tão feio. Deus tem de ser bonito. Feio é o cramulhão, o cão, o coisa-ruim, o demo. Retratos de quem pintou, isso sim. Menos que caricatura. Caricatura tem parecença. Máscaras. Ídolos. Para se voltar a Deus, é preciso esquecer, esquecer muito, desaprender o aprendido, raspar a tinta…

Os que não perderam a memória do mistério se horrorizaram diante dessa ousadia humana. Denunciaram. Houve um que gritou que Deus está morto. claro. Ele não conseguia encontrá-lo naquele quarto de horrores. Gritou que nós éramos assassinos de Deus. Foi acusado de ateu. Mas o que ele queria, de verdade, era quebrar todas aquelas máscaras para poder de novo contemplar o mistério infinito.

Outro que fez isso foi Jesus. “Ouvistes o que foi dito aos antigos; eu porém vos digo…” O deus pintado nas paredes do templo não combinava com o Deus que Jesus via. O deus sobre o qual ele falava era horrível às pessoas boas e defensoras dos bons costumes. Dizia que as meretrizes entrariam no reino à frente dos religiosos. Que os beatos eram sepulcros caiados: por fora brancura, por dentro fedor. Que o amor vale mais que a lei. Que as crianças são mais divinas que os adultos. Que Deus não precisa de lugares sagrados – cada ser humano é um altar, onde quer que esteja.

E ele fazia isso de forma mansa. Contava estórias. A uma delas, os pintores de parede deram o nome de Parábola do Filho Pródigo. É sobre um pai e dois filhos. Um deles, o mais velho, todo certo, de acordo com o figurino, cumpridor de todos os deveres, trabalhador.

O outro, mais novo, malandro, gastador irresponsável. Pegou a sua parte da herança adiantada e se mandou pelo mundo, caindo na farra e gastando tudo. Acabou o dinheiro, veio a fome, foi tomar conta de porcos. Aí se lembrou da casa paterna e pensou que lá os trabalhadores passavam melhor do que ele. Imaginou que o pai bem que poderia aceitá-lo como trabalhador, já que não merecia mais ser tido como filho. Voltou. O pai o viu de longe. Saiu correndo ao seu encontro, abraçou-o e ordenou uma grande festa, com música e churrasco. Para os pintores de parede, a estória poderia ter terminado aqui. Boa estória para exortar os pecadores a se arrepender. Deus perdoa sempre. Mas não é nada disso. Tem a parte do irmão mais velho. Voltou do trabalho, ouviu a música, sentiu o cheiro de churrasco, ficou sabendo do que acontecia, ficou furioso com o pai, ofendido, e com razão. Seu pai não fazia distinção entre credores e devedores. Fosse o pai como um confessor e o filho gastador teria, pelo menos, de cumprir uma penitência.

A parábola termina num diálogo entre o pai e o filho justo. Mas o suspense se resolve se entendermos as conversas havidas entre eles. Disse o filho mais moço: – Pai, peguei o dinheiro adiantado e gastei tudo. Eu sou devedor, tu és credor. Respondeu-lhe o pai: – Meu filho, eu não somos débitos. Disse o mais velho: – Pai, trabalhei duro, não recebi meus salários, não recebi minhas férias e jamais me deste um cabrito para me alegrar com os meus amigos. Eu sou credor, tu és devedor. Respondeu-lhe o pai: – Meu filho, eu não somo créditos.

Os dois filhos eram iguais um ao outro, iguais a nós: somavam débitos e créditos. O pai era diferente. Jesus pinta um rosto de Deus que a sabedoria humana não pode entender. Ele não faz contabilidade. Não soma nem virtudes nem pecados. Assim é o amor. Não tem porquês. Sem-razões. Ama porque ama. Não faz contabilidade nem do mal nem do bem. Com um Deus assim, o universo fica mais manso. E os medos se vão. Nome certo para a parábola: “Um pai que não sabe somar”. Ou: “Um pai que não tem memória”…


"Os olhos são pintores: pintam o mundo de fora com as cores que moram dentro deles." Rubem Alves